Quantos erros e acertos você realizou durante esse ano? Quais pesaram mais em seu caminhar, os erros? Não, os acertos? Ao contrário do que imaginamos, um não é correspondente inversamente proporcional ao outro. Não são duas faces da mesma moeda.
Tanto um quanto o outro pode nos levar a caminhos inimagináveis. Existem, inclusive, situações nas quais se escolhe o caminho errado e nele está toda a graça. É nele que tudo acontece. Pensemos, por exemplo, em um rapaz que pega diariamente ônibus na Avenida Washington Soares. Ele espera ansiosamente pelo ônibus da linha 75. Em um lapso, onde ele se vira para o lado, tendo sido seduzido por um pássaro ou por uma boazuda que atravessa a rua, ele estende a mão, como num instinto, ao ônibus que passa. Sobe, segue viagem. Dentro do transporte, ele escolhe sentar ao lado de uma velha senhora, que lhe parece simpática. Cumprimenta a idosa e ela o responde de forma grossa – um erro. Duas ou três paradas depois, a velha abandona o acento e desce do ônibus. Dá lugar a Juliana, loira, magra, 1 metro e 65. Senta delicadamente e abre com capricho um livro do Neruda na página 42 – um acerto.
De alguma forma, o rapaz chama-lhe a atenção. Teve receio de ser chato, fazendo com que a leitura da moça fosse interrompida. Perdão, que horas são. São quatro e vinte. Esse horário me faz lembrar algo. Primeiro, ele riu sozinho. Depois, ela percebeu a piada e também pôde rir. Conversaram intensamente durante os próximos dez minutos – um acerto.
Tendo conseguido a simpatia e o número do telefone de Juliana, o rapaz decidiu sair enquanto estava tudo indo bem. Bom, minha parada deve estar próxima. Vou passar a catraca. Te ligo qualquer hora. Tudo bem! Ofereceram sorrisos bobos um ao outro. Quando recolheu seu troco junto ao trocador e percebeu o ambiente exterior ao ônibus, viu que não estava seguindo seu rumo habitual. Cara, a rota mudou? Não, é a mesma de sempre. Qual é a linha desse ônibus? Linha 74, rapaz. Antônio Bezerra/UNIFOR. Fiz uma confusão. Por um número apenas, acabei pegando a linha errada. Campus do Pici/UNIFOR 075. Antônio Bezarra/UNIFOR 075. Troquei as bolas – um erro. O trocador não deu atenção.
Puxou a corda que estava acima de sua cabeça, uma campainha estridente soou de forma irritante. Desceu do ônibus atordoado, irritado. Contando as moedas, percebeu que elas dariam para uma passagem única. Teria de passar no terminal. Merda! – um erro. Abriu sua mochila para procurar uma bala ou chiclete, viu o papel amassado com o número de Juliana – um acerto.
terça-feira, 30 de dezembro de 2014
quarta-feira, 24 de dezembro de 2014
Uma noite de Natal
Quando eu tinha oito anos, pedi ao Papai Noel uma bicicleta,
como presente de Natal. Poucos dias antes, havia escrito uma carta objetiva e
sincera, como qualquer criança faria. Não era bom aluno. Nunca fui bom aluno,
até chegar à faculdade. Mas sempre tive bom coração e esperava que meus desejos
fossem atendidos.
O fato é que meu pedido foi respondido pelo velhinho. Na
noite natalina, meus pais me chamaram para ir até o quarto deles. Lá havia um
colchão velho repousado em uma das paredes do cômodo. Entre o colchão e a
parede, em um espaço que geometricamente correspondia à metade de um triângulo,
estava escondido o presente que ganharia. Uma bicicleta novinha.
Entrei em êxtase. Sorri. Até chorei um pouco. Abracei meus
pais e agradeci. Ah! Também abracei ao Papai Noel, um homem negro, que percebi
de cara não ser natural do Polo Norte. Era, na verdade, um tio, muito próximo e
querido, que via quase diariamente. Obrigado Papai Noel, disse a meu tio.
Passado o
período infantil, nunca mais gostei do Natal. Sempre me sinto incomodado. Fora
de contexto. Sabe quando você vai de penetra ao aniversário de um amigo
distante de um amigo seu? É assim que me sinto no Natal. Nos aniversários de
desconhecidos, nunca entendo as piadas internas ou a alegria – genuína ou
forçada – quando um novo membro do grupo chega ao local. Veja, o Ramonzito
chegou. Esse cara é fera. Foda-se!
Na noite
natalina, em comparativo, nunca entendo os círculos, as orações e as
felicitações. Menos entendo quando chega mais um integrante, em forma de
leitura. Seja ele Jó, Isaias, Pedro ou qualquer um dos escritores daquele livro
imenso e enfadonho. Termino ocupando o mesmo espaço. Nas duas ocasiões, estou
no aniversário de um desconhecido onde alguém que é do meu agrado ama. O
primeiro é aniversário de Gabriel ou Lucas, em alguma pizzaria ou choperia da
cidade. O segundo, aniversário de um garotinho que magicamente cisma em nascer
todos os anos.
Em ambas
situações, me limito a segurar a câmera, tirar as fotos, sorrir de forma
forçada a alguma piada idiota e agradecer algum tipo de elogio. No mais, torço
para que a noite acabe, ou para que acabe essa festa boba. Mas e o espírito
natalino, você pode me perguntar, você não se deixa ser tocado por ele? Bom,
esse ano não. Mas, tenhamos esperança. Dezembro próximo o mesmo garotinho há de
nascer novamente. Quem sabe nessa ocasião, seu nascimento faça algum sentido para
mim.
quinta-feira, 18 de dezembro de 2014
O que será do amor?
Passamos a vida toda aprendendo que amor e necessidade de
estar com o outro representam a mesma coisa. A expressão mais fiel dessa crença
é o fenômeno chamado paixão. Os românticos inveterados orgulhosamente dizem
estar amando, quando na verdade, estão sofrendo por antecipação, fantasiando
acerca de sua enamorada ou simplesmente vislumbrando belas pernas que trafegam
à sua frente e moças com sorrisos angelicais que podem ser encontradas
facilmente em qualquer shopping center
ou balada da cidade.
Você me fala sobre o amor platônico, o que para o senso
comum é, também uma paixão, coisa de momento. O grande engano é que o amor que
atribuem a Platão diz respeito, verdadeiramente, a uma das mais belas formas de
amor: o amor contemplativo. É o que você sente quando assiste a um nascer do sol depois de uma madrugada de conversa com um amigo, leitura ou bebedeira (não faz
diferença). Você simplesmente aprecia aquele acontecimento da natureza. Não
quer pegar o sol, as nuvens, os montes e guarda-los em uma caixinha. Você deixa
que eles sigam seu rumo e quando oportuno, um novo encontro poderá acontecer.
Não que o amor seja algo totalmente distinto ou desconexo
do sofrimento. Quem ama sofre, claro. A fórmula vendida pela mídia de amor
eterno e duradouro é uma farsa. O amor faz doer, sangrar e criar expectativas
por vezes ridículas. Ele também nos
torna mais livres e tolerantes. Na última semana, vi um amigo compartilhar em
sua página do Facebook que o critério único para que alguém faça parte de sua
vida seria o motivo de você ser necessário, insubstituível para aquela pessoa.
O pior é que, em maioria, pensamos assim. Buscamos sempre uma relação de causa-efeito
para sustentar nossas relações. Tornamos menos importante e interessante o que
oferecemos e ressaltamos sempre aquilo que pode ser a nós ofertado, o que o
outro pode ou deve – como uma imposição nossa - fazer por nós. Aí está a
armadinha!
Somos ensinados a atender as falsas necessidades que
criamos dentro de um pressuposto compensatório. Imaginamos sempre sermos dignos
de algo para além da realidade, para além do mundano e de toda a incerteza das
relações. Procuramos algo quase que divino e inabalável. Algo menor que a
perfeição pode parecer imoral e indigno do que chamamos de amor.
Na crônica “O amor bom é facinho”, Ivan Martins nos
esclarece: “Acho que somos ensinados a subestimar quem gosta de
nós. Se a garota na mesa ao lado sorri em nossa direção, começamos a reparar
nos seus defeitos. Se a pessoa fosse realmente bacana não me daria bola assim
de graça. Se ela não resiste aos meus escassos encantos é uma mulher fácil – e
mulheres fáceis não valem nada, certo? O nome disso, damas e cavalheiros, é
baixa auto-estima: não entro em clube que me queira como sócio. É engraçado,
mas dói.”
Não damos brecha ao acaso. O acaso é inimigo. A própria
distração habitual que a vida nos exige, ao não buscar em excesso, é inimigo.
Estamos sempre por esperar algo grandioso, avassalador. Um divisor de águas em
nossas vidas.
Talvez nosso maior aprendizado e desafio sejam de
conseguirmos amar e deixar que nos amem de volta.
sábado, 6 de dezembro de 2014
Saudade
É por saudade que a gente chora
Esperneia, briga
Discute, faz birra
Pensa em dar fim à vida
Esperneia, briga
Discute, faz birra
Pensa em dar fim à vida
É por saudade que a gente sente
Tédio aos domingos
E uma leve melancolia
Logo na manhã de segunda-feira
Tédio aos domingos
E uma leve melancolia
Logo na manhã de segunda-feira
É por saudade que a gente bebe, fuma
Pensa demais. Fode demais.
Tudo em excesso é risco
Saudade em excesso idem
Pensa demais. Fode demais.
Tudo em excesso é risco
Saudade em excesso idem
Saudade de quê, afinal?
Saudade dos colegas de faculdade
Dos amigos da escola
Daquele primo que morreu quando você era criança
Saudade dos colegas de faculdade
Dos amigos da escola
Daquele primo que morreu quando você era criança
Melhor! Saudade do emprego dos sonhos
Saudade do tempo em que não trabalhava
Do primeiro cigarro, na adolescência
E do primeiro porre!
Saudade do tempo em que não trabalhava
Do primeiro cigarro, na adolescência
E do primeiro porre!
É por saudade da última namorada
Não! Por saudade da namorada anterior a ela
Por saudade do primeiro beijo
Saudade da primeira paixão, que nunca foi consumada ou revelada
Não! Por saudade da namorada anterior a ela
Por saudade do primeiro beijo
Saudade da primeira paixão, que nunca foi consumada ou revelada
Saudade de dormir abraçado com a mãe
Saudade do quarto escuro e seguro
Do lar acolhedor e fraterno
Saudade do útero, já dizia o velho Freud
Saudade do quarto escuro e seguro
Do lar acolhedor e fraterno
Saudade do útero, já dizia o velho Freud
Um lanche, por favor.
Na última tarde, enquanto passava em frente a umas dessas bicicletas que vendem lanches no estacionamento da universidade, vi uma moça jogar um guardanapo no chão. Foi automático! Ela se viu não mais precisando do pedaço de papel e atirou-o ao chão, sem pudor ou culpa, talvez também sem perceber que havia um grande lixeiro ao seu lado. Ou o que seria pior, percebendo-o e ignorando-o. Automaticamente, também agi. Apanhei o guardanapo e continuei minha caminhada, jogando-o no lixeiro um pouco mais a frente. Imaginei que se eu voltasse para jogar no que estava ao lado da moça, poderia parecer arrogância minha.
Depois de colocar o pequeno papel em seu devido lugar, parei na bicicleta ao lado, onde havia salgados de forno sabor frango com molho branco. Na bicicleta concorrente só havia sanduíches e a cliente mal educada, junto de suas amigas. Pedi um salgado e um copo de refrigerante. No que comecei a comer e conversar com o senhor dono do estabelecimento móvel, ouvi risadas e a seguinte frase: “ah! Então foi uma indireta pra mim? Valeu, viu?” Depois se instalou um som de cochichado. Pouco depois, o assunto não pareceu mais estar em pauta entre as moças vestidas de branco. Talvez fossem estudantes de enfermagem, nutrição ou sei lá. Alguma área da saúde, certamente.
As olhei, sem que elas me percebessem e elas sorriam, conversavam sem preocupação alguma, talvez sobre o Shopping Rio Mar ou sobre a balada do último final de semana. O guardanapo realmente, não estava mais em voga e minha forma sutil de chama-la de mal educada já havia sido superada, deixado de lado. A sensação de ter sido ofendida também!
O senhor da bicicleta, percebendo isso tudo, ao final do ocorrido, que durou não mais que três minutos, me disse: imagina garoto, se todo mundo cuidasse do planeta como cuida essa moça. Pois é!, falei meio sem graça, respondendo ao simpático empreendedor que usava óculos de grau e carregava no rosto um sorriso tímido de muita leveza.
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