segunda-feira, 9 de abril de 2018

Paraíba

- Lula presidente.

Aquele Paraíba folgado gritava toda manhã, enquanto eu saía para o escritório.

Dia desses, eu estava no quiosque no Juca tomando uma água de coco, depois de fazer cooper na praia. Marquei tudo no strava, que tinha baixado no Iphone. Esse aparelho novo tem uma o dobro de memória. Cabe tudo. Eu tinha caminhado cinco quilômetros e só queria dar uma relaxada olhando o mar.
Pedi um coco e sentei pra jogar conversa fora. Juca perguntou se eu tinha visto a sacanagem que tinham feito com o Carpegiani no Flamengo. “O cara perdeu um jogo e colocaram ele pra fora. Futebol brasileiro é uma merda mesmo. Clássico é clássico. Não tem como saber quem vai ganhar”, falou enquanto me entregava um canudo. O Botafogo havia eliminado o Flamengo do campeonato carioca há algumas semanas. Tô por fora do futebol, respondi enquanto desamarrava os cadarços.
Depois de um tempo em silêncio, inevitavelmente, a gente começou a falar sobre política. Perguntei se ele estava satisfeito com o trabalho desenvolvido pelo prefeito. Eu tinha votado no sujeito e como o Juca era evangélico, suspeitei que tivesse feito o mesmo. Para a minha surpresa, ele começou a esculachar o cara, disse que não tinha nada a ver um líder religioso governar uma cidade tão grande como o Rio de Janeiro. E o pessoal que gosta de rodar a saia na beira do mar, ainda pode doutor, perguntou indignado, com gotas de suor escorrendo de sua testa. Tinha acabado de cortar mais um coco com seu facão e servir a um homem que acabara de chegar ao quiosque.
Eu desconversei. Por mim, esses macumbeiros todos poderiam morrer afogados, isso sim. Não compartilhei esse pensamento. Apesar de ser verdade, achei inapropriado. Comecei a falar sobre o juiz que estava lutando contra a corrupção. No país que a gente vive quem tenta estancar a roubalheira tem que ser reconhecido. Nem sei como esse cara ainda tá vivo, pra falar a verdade. Ele disse que político é tudo igual, falou coçando a axila, sem tirar o olho da caderneta. Mais uma vez, ficamos em silêncio durante alguns segundos.
Falei sobre o que realmente me interessava no momento. Você viu no jornal que vão prender o Lula? Juca estava enfiado até o tronco no freezer. Devia estar colocando mais um saco de coco pra gelar. Dia de sábado ele sempre vende muito, principalmente até o meio dia. Pega o pessoal da caminhada e os ciclistas. Justiça seja feita. Aquele analfabeto achou que ia se safar. Aqui é assim. Além de ladrão aquele ali é comunista. Quem quiser ser comunista vai pra Cuba, caso contrário aguente as consequências. Falei isso e dei uma grande golada. Á água de coco do Juca é a melhor do Rio.
Eu não havia percebido, mas o sujeito que tinha sido despachado por último estava sentado à mesa atrás de mim. Ouvi ele arrastando a cadeira antes de falar. Ô doutor, conta mais essa história, falou antes de soltar a fumaça do cigarro pelo nariz. Decidi compartilhar com ele algumas percepções. Falei que o último governo era muito assistencialista e populista, esse negócio de bolsa família tira a oportunidade do pessoal aprender a pescar o próprio peixe e tudo mais. O homem parecia um bom ouvinte, então fui mais longe, afirmando que cota é muito mais uma humilhação e esmola dada aos pobres do que oportunidade. Quem quer oportunidade, cria uma. Tem que investir mesmo é em educação e não em cota. O Joaquim Barbosa não chegou aonde chegou por que sentiram pena dele. Cada um faz o seu, o cara sendo preto ou branco. Cor é um negócio superficial. Quando chupei o canudo, percebi que não tinha mais água.
Lentamente, o homem dobrou o jornal e perguntou se eu já tinha estudado em uma escola pública ou se pegava lotação para chegar ao trabalho. De prontidão disse que não. Tem lugares na Europa que os políticos são obrigados a andam de transporte público e gostam. O negócio funciona. Os filhos deles são obrigados a estudar em escolas públicas. São as melhores. Isso não impede que os garotos acabem indo pra Stanford, Yale e até pro MIT. Mas aqui infelizmente o negócio é diferente. Como eu falei, o problema todo tá na educação. Ainda bem que eu tenho condições de pagar uma escola decente pros meus filhos. As escolas públicas daqui só formam traficante e maconheiro, completei.
Pedi outro coco ao Juca, interessado em saber o que o homem tinha a falar sobre aquilo tudo. Antes que eu pudesse lhe fazer um questionamento, ele perguntou o que eu achava da violência na nossa cidade. Achei interessante. Falei que obviamente ele havia de concordar que a violência no Rio de Janeiro era preocupante. Pior do tudo – melhor pra gente – era que a cidade não estava nem entre as 30 mais violentas do país. Ouvi dizer que em Fortaleza estão matando no meio da praça. O pessoal chega, atira pra todo lado e vai embora.
Aí se um policial acerta um tiro em um vagabundo pode chegar a perder o emprego, ser afastado e até perseguido. Isso é Brasil! Depois que o último governo veio com esse negócio de Direitos Humanos, a violência só aumentou. A polícia fica intimidada, os caras tem medo de perder emprego. Mas policial é gente e tem família pra sustentar. Político, que deveria defender a população, fica passando a mão em cabeça de bandido. Deveria levar pra casa, isso sim. Por mais que eu achasse um pouco inapropriado, deixei escapar a última afirmação. Bom mesmo era em 64. O cidadão trabalhador podia sair na rua com tranquilidade. Passear com a família. Tomar uma água de coco. Porra! Eu tô aqui conversando contigo, mas a qualquer momento nêgo passa aí numa moto e metralha minha cara, sem mais nem menos. Como fica minha família? Naquele tempo, só era preso quem merecia. Quem não tinha o que esconder, não tinha medo. Até a economia era diferente. 
E o senhor, o que acha disso tudo, perguntei ansioso. Ele disse que me achava um tanto quanto radical, que a educação era o caminho, mas infelizmente esse tipo de coisa não se faz da noite para o dia e que faltava muito investimento na cultura.
Cultura. Cidadão, você concorda com aquelas pornografias de incentivo a zoofilia, pedofilia e tantas outras aberrações pagãs, é por isso que tem tanto pai engravidando filha por aí, acha que aquilo é mesmo cultura, perguntei enquanto ria de nervoso. Me senti desrespeitado pra caramba. Porra! Imaginei meu filho em um ambiente desses. E tudo feito com o nosso dinheiro. Ele passou a mão na cabeça calva, olhando para o chão. Perguntou qual era meu possível candidato a presidente. Não tem possível candidato, tá decidido, olha pro outdoor que tá atrás de você, inflei o peito. Sem precisar olhar para trás, o homem disse que meu candidato mamava na teta do governo há anos, recebia até auxílio moradia enquanto morava numa casa própria e tantas outras abobrinhas. 
Percebendo que se tratava de um fanático, expliquei calmamente que era exatamente na presidência do país que ele mostraria tudo o que pode. Lutar pelo cidadão de bem e fazer com que ele tenha sua própria proteção. Confidenciei que apesar de ilegal, tenho uma pistola Glock escondido em casa, para me proteger de bandido. Me desculpe, o senhor é nascido no Rio de Janeiro, perguntei. O homem respondeu que não. Vinha do Crato e trabalhava como jornalista há mais de vinte e cinco anos. Tinha que ser paraibano, pensei enquanto balançava a cabeça afirmativamente.
AH! Tá tudo explicado. A região mais preguiçosa e que mais se beneficiou desse governo de merda foi o Nordeste, onde só tem folgado. São tão folgados que quem tem vontade de trabalhar, como o senhor, tem que vir pra cá ou pra São Paulo. O homem apagou o cigarro na mesa, olhou nos meus olhos e antes de ir embora me chamou de fascista. Imagina. Agora ninguém pode falar a verdade. Fascista é a mãe dele, aquela jumenta.
Para o meu azar, o sujeito morava no condomínio em frente ao meu. Para um nordestino, eu acho que ele tinha vencido na vida. Devia trabalhar em um desses jornais comunistas que tem aqui no Rio. Desde então, todas as manhãs, quando eu saía para pegar meu carro que ficava estacionado na calçada do condomínio, ele gritava essa merda. Lula presidente. Foi assim que descobri que ele era praticamente meu vizinho sei lá há quanto tempo.
Dei uma pesquisada e fiquei sabendo que o porteiro que fazia o noturno no condomínio do Paraíba era o Jamelão, um homem negro e forte que morava em Bangu e torcia para o Vasco. Ele já tinha trabalhado no meu condomínio e vivia conversando comigo sobre futebol. Sujeito gente fina, apesar de ignorante e favelado. O síndico do prédio deu as contas dele há mais ou menos seis meses. Disse que alguns moradores se sentiam intimidados. Compreendo esse sentimento, mas ele era trabalhador e isso é o que importa. Tratei de ir trocar uma ideia com o Jamelão, saber mais sobre a vida do sujeito. Ele me explicou que o camarada era flamenguista doente e que Crato ficava no Ceará e não na Paraíba. Tanto faz, pensei.
Depois de alguns dias conversando com o porteiro, deu pra esquematizar tudo. Ele me disse que o jornalistazinho chegava sempre tarde da noite, por volta de dez e quinze. Estava sempre sozinho e pelo menos duas vezes na semana chegava meio bêbado, fedendo a uísque. Na medida que fui perguntando, ele começou a ficar de orelha em pé e disse que não queria se envolver com coisa errada. Subornei Jamelão com quinhentos reais. Caso resolvido. Ele só tinha que abrir o portão pra mim às dez horas e fingir que não tinha me visto. Ele também ia ter que falar pro nordestino de merda que o elevador estava interditado. E assim foi feito. Como os porteiros trabalhavam por plantão, eu ia ter que esperar dois dias.
No sábado, liguei no telefone do Jamelão, pra reafirmar o acordo. Tá tudo no esquema dotô, falou sussurrando e desligou sem se despedir. Cheguei ao saguão do condomínio nove e quarenta e oito. O portão tinha sido liberado antes de eu pisar na calçada. Emburaquei na escada de incêndio. Fiquei escondido atrás da porta do térreo. Por sorte, eu tinha chegado com antecedência. Dez minutos depois, ouvi a voz grave do Jamelão. Boa noite, patrão. O elevador tá com problema. De novo? Pois é, chefe. Serviço mal feito dá nisso aí.
O homem empurrou a porta, que quase bateu em mim. Fumando e com uma pasta na mão, começou a subir os lances de escada lentamente. Esperei que ele caminhasse um pouco, para que o barulho não chegasse até a portaria. No segundo andar, o golpeei por trás, acertando o rosto. Para não sujar minhas mãos, tinha levado a chave de roda do meu carro. O homem cambaleou e assustado desferi mais um golpe. O acertei na nuca. Ele tropeçou e desceu rolando um lance das escadas. Ficou estendido no chão. Olhei para ele, de cima para baixo, antes de falar qualquer coisa. Ele respirava com dificuldade e me olhava no fundo dos olhos, sem medo, como da última vez que nos olhamos cara a cara. Ameacei outro golpe. Ele fechou os olhos. Dei uma cusparada em seu rosto e disse, o teu presidente de merda foi preso hoje. Ele riu, chorou, gorfou, o sangue escorreu por sua boca, manchando sua camisa branca. Você é mesmo um fascista de merda, teve força e coragem para falar. Me assustei com o baralho de uma porta batendo – provavelmente no terceiro andar - e saí correndo. Pulava os degraus de três em três. Passei pela portaria e o favelado me olhou desesperado.

terça-feira, 20 de março de 2018

Temer, o Judas (?).

No último domingo, enquanto passava por uma avenida localizada no subúrbio de Fortaleza, me deparei com algo bastante interessante. Bonecos de pano tinham sido postos em cadeiras, vestidos como diversas figuras públicas ou anônimas. Enquanto o carro transitava pela via, pude ver cerca de oito bonecos e no final da calçada onde eles estavam expostos, uma propaganda escrita em um papelão rasgado, com tinta azul e letras trêmulas: Zé dos Judas. O telefone para contato estava logo abaixo. Este são produtos em alta para quem quer se preparar para o próximo feriado.

Para quem não conhece e não entende o que estou falando, explico brevemente. O feriado da Semana Santa simboliza a Paixão, Morte e Ressureição de Cristo. O período que representa a chegada de Jesus a Jerusalém, seguida de sua morte, que ocorre graças à traição de Judas, um de seus doze apóstolos. Em troca da cabeça de seu líder, o homem receber 30 moedas dos sacerdotes e capitães que o subornaram. A parábola cristã apresenta como desfecho a ressureição do filho de Deus.
Voltemos aos bonecos. Chama bastante atenção o processo civilizatório e as formas de simbolização que nossa sociedade adquiriu com o passar do tempo. Uma vez ao ano um boneco é queimado para simbolizar a traição feita contra o maior símbolo da fé cristã. Jesus Cristo. É essa a representação dada aos bonecos de Judas que são vendidos nas calçadas do subúrbio fortalezense. Li em uma matéria de jornal que os bonecos podem representar preconceito, racismo, homofobia e tudo aquilo que deve ser expurgado de uma sociedade que busca justiça e igualdade àqueles que a compõe.
Dos oito bonecos que contei, um me chamou bastante atenção. Ele era o terceiro e estava repousado em uma cadeira de plástico branca. Nos poucos segundos que o vi, percebi o motivo de ele ter se destacado à minha visão. Seu rosto era feio, assim como os dos outros. Feito de um material que parecia isopor quebrado. Talvez o artista que o produziu estivesse cortando gastos. Suas sobrancelhas, boca e nariz foram pintados com tinta guache de forma bastante grosseira, nas cores preto e vermelho.

Sua vestimenta era igual a dos outros bonecos, feita com roupas velhas, rasgadas e desbotadas, no entanto um único adereço chamou a atenção e é nele que se concentra tudo. Do alto de um dos seus ombros até a sua anca do lado oposto havia uma faixa que riscava seu tronco. Duas cores compunham a faixa. Ela era metade amarela e metade verde. Percebi então que o boneco representava o presidente da república Michel Temer.

Simples, previsível, vulgar e genial.

A história bíblica diz que no momento de sua traição Judas havia sido possesso pelo demônio. Interpretamos, portanto, que a atitude do apóstolo foi passional, chegando até a não ser de sua responsabilidade, afinal ele estava sob o efeito do próprio Satanás.

Michel, no entanto, faz parte de um plano muito bem arquitetado, planejado minuciosamente para destituir uma líder de seu posto. O usurpador é visto por muitos como o próprio demônio encarnado. Um demônio corrupto odiado pelo próprio país.

Qual país odiaria o seu próprio presidente? Um país que não o escolheu como tal.
Quantas moedas teriam sido suficiente para seduzir Temer em suas escolhas?

Quando a ordem simbólica deve ser posta em prática na queima de bonecos e quando a (des)ordem política e social deve ser acionada para destituir um corrupto de um lugar que não lhe pertence?


Devemos Temer o Judas? 

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Erros e acertos

Quantos erros e acertos você realizou durante esse ano? Quais pesaram mais em seu caminhar, os erros? Não, os acertos? Ao contrário do que imaginamos, um não é correspondente inversamente proporcional ao outro. Não são duas faces da mesma moeda.

Tanto um quanto o outro pode nos levar a caminhos inimagináveis. Existem, inclusive, situações nas quais se escolhe o caminho errado e nele está toda a graça. É nele que tudo acontece. Pensemos, por exemplo, em um rapaz que pega diariamente ônibus na Avenida Washington Soares. Ele espera ansiosamente pelo ônibus da linha 75. Em um lapso, onde ele se vira para o lado, tendo sido seduzido por um pássaro ou por uma boazuda que atravessa a rua, ele estende a mão, como num instinto, ao ônibus que passa. Sobe, segue viagem. Dentro do transporte, ele escolhe sentar ao lado de uma velha senhora, que lhe parece simpática. Cumprimenta a idosa e ela o responde de forma grossa – um erro. Duas ou três paradas depois, a velha abandona o acento e desce do ônibus. Dá lugar a Juliana, loira, magra, 1 metro e 65. Senta delicadamente e abre com capricho um livro do Neruda na página 42 – um acerto.

 De alguma forma, o rapaz chama-lhe a atenção. Teve receio de ser chato, fazendo com que a leitura da moça fosse interrompida. Perdão, que horas são. São quatro e vinte. Esse horário me faz lembrar algo. Primeiro, ele riu sozinho. Depois, ela percebeu a piada e também pôde rir. Conversaram intensamente durante os próximos dez minutos – um acerto.

 Tendo conseguido a simpatia e o número do telefone de Juliana, o rapaz decidiu sair enquanto estava tudo indo bem. Bom, minha parada deve estar próxima. Vou passar a catraca. Te ligo qualquer hora. Tudo bem! Ofereceram sorrisos bobos um ao outro. Quando recolheu seu troco junto ao trocador e percebeu o ambiente exterior ao ônibus, viu que não estava seguindo seu rumo habitual. Cara, a rota mudou? Não, é a mesma de sempre. Qual é a linha desse ônibus? Linha 74, rapaz. Antônio Bezerra/UNIFOR. Fiz uma confusão. Por um número apenas, acabei pegando a linha errada. Campus do Pici/UNIFOR 075. Antônio Bezarra/UNIFOR 075. Troquei as bolas – um erro. O trocador não deu atenção.

 Puxou a corda que estava acima de sua cabeça, uma campainha estridente soou de forma irritante. Desceu do ônibus atordoado, irritado. Contando as moedas, percebeu que elas dariam para uma passagem única. Teria de passar no terminal. Merda! – um erro. Abriu sua mochila para procurar uma bala ou chiclete, viu o papel amassado com o número de Juliana – um acerto.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Uma noite de Natal

Quando eu tinha oito anos, pedi ao Papai Noel uma bicicleta, como presente de Natal. Poucos dias antes, havia escrito uma carta objetiva e sincera, como qualquer criança faria. Não era bom aluno. Nunca fui bom aluno, até chegar à faculdade. Mas sempre tive bom coração e esperava que meus desejos fossem atendidos.

O fato é que meu pedido foi respondido pelo velhinho. Na noite natalina, meus pais me chamaram para ir até o quarto deles. Lá havia um colchão velho repousado em uma das paredes do cômodo. Entre o colchão e a parede, em um espaço que geometricamente correspondia à metade de um triângulo, estava escondido o presente que ganharia. Uma bicicleta novinha.

Entrei em êxtase. Sorri. Até chorei um pouco. Abracei meus pais e agradeci. Ah! Também abracei ao Papai Noel, um homem negro, que percebi de cara não ser natural do Polo Norte. Era, na verdade, um tio, muito próximo e querido, que via quase diariamente. Obrigado Papai Noel, disse a meu tio. 

Passado o período infantil, nunca mais gostei do Natal. Sempre me sinto incomodado. Fora de contexto. Sabe quando você vai de penetra ao aniversário de um amigo distante de um amigo seu? É assim que me sinto no Natal. Nos aniversários de desconhecidos, nunca entendo as piadas internas ou a alegria – genuína ou forçada – quando um novo membro do grupo chega ao local. Veja, o Ramonzito chegou. Esse cara é fera. Foda-se!

Na noite natalina, em comparativo, nunca entendo os círculos, as orações e as felicitações. Menos entendo quando chega mais um integrante, em forma de leitura. Seja ele Jó, Isaias, Pedro ou qualquer um dos escritores daquele livro imenso e enfadonho. Termino ocupando o mesmo espaço. Nas duas ocasiões, estou no aniversário de um desconhecido onde alguém que é do meu agrado ama. O primeiro é aniversário de Gabriel ou Lucas, em alguma pizzaria ou choperia da cidade. O segundo, aniversário de um garotinho que magicamente cisma em nascer todos os anos.

Em ambas situações, me limito a segurar a câmera, tirar as fotos, sorrir de forma forçada a alguma piada idiota e agradecer algum tipo de elogio. No mais, torço para que a noite acabe, ou para que acabe essa festa boba. Mas e o espírito natalino, você pode me perguntar, você não se deixa ser tocado por ele? Bom, esse ano não. Mas, tenhamos esperança. Dezembro próximo o mesmo garotinho há de nascer novamente. Quem sabe nessa ocasião, seu nascimento faça algum sentido para mim. 

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

O que será do amor?

Passamos a vida toda aprendendo que amor e necessidade de estar com o outro representam a mesma coisa. A expressão mais fiel dessa crença é o fenômeno chamado paixão. Os românticos inveterados orgulhosamente dizem estar amando, quando na verdade, estão sofrendo por antecipação, fantasiando acerca de sua enamorada ou simplesmente vislumbrando belas pernas que trafegam à sua frente e moças com sorrisos angelicais que podem ser encontradas facilmente em qualquer shopping center ou balada da cidade.

Você me fala sobre o amor platônico, o que para o senso comum é, também uma paixão, coisa de momento. O grande engano é que o amor que atribuem a Platão diz respeito, verdadeiramente, a uma das mais belas formas de amor: o amor contemplativo. É o que você sente quando assiste a um nascer do sol depois de uma madrugada de conversa com um amigo, leitura ou bebedeira (não faz diferença). Você simplesmente aprecia aquele acontecimento da natureza. Não quer pegar o sol, as nuvens, os montes e guarda-los em uma caixinha. Você deixa que eles sigam seu rumo e quando oportuno, um novo encontro poderá acontecer.

Não que o amor seja algo totalmente distinto ou desconexo do sofrimento. Quem ama sofre, claro. A fórmula vendida pela mídia de amor eterno e duradouro é uma farsa. O amor faz doer, sangrar e criar expectativas por vezes ridículas.  Ele também nos torna mais livres e tolerantes. Na última semana, vi um amigo compartilhar em sua página do Facebook que o critério único para que alguém faça parte de sua vida seria o motivo de você ser necessário, insubstituível para aquela pessoa. O pior é que, em maioria, pensamos assim. Buscamos sempre uma relação de causa-efeito para sustentar nossas relações. Tornamos menos importante e interessante o que oferecemos e ressaltamos sempre aquilo que pode ser a nós ofertado, o que o outro pode ou deve – como uma imposição nossa - fazer por nós. Aí está a armadinha!

Somos ensinados a atender as falsas necessidades que criamos dentro de um pressuposto compensatório. Imaginamos sempre sermos dignos de algo para além da realidade, para além do mundano e de toda a incerteza das relações. Procuramos algo quase que divino e inabalável. Algo menor que a perfeição pode parecer imoral e indigno do que chamamos de amor.

Na crônica “O amor bom é facinho”, Ivan Martins nos esclarece: “Acho que somos ensinados a subestimar quem gosta de nós. Se a garota na mesa ao lado sorri em nossa direção, começamos a reparar nos seus defeitos. Se a pessoa fosse realmente bacana não me daria bola assim de graça. Se ela não resiste aos meus escassos encantos é uma mulher fácil – e mulheres fáceis não valem nada, certo? O nome disso, damas e cavalheiros, é baixa auto-estima: não entro em clube que me queira como sócio. É engraçado, mas dói.”

Não damos brecha ao acaso. O acaso é inimigo. A própria distração habitual que a vida nos exige, ao não buscar em excesso, é inimigo. Estamos sempre por esperar algo grandioso, avassalador. Um divisor de águas em nossas vidas.

Talvez nosso maior aprendizado e desafio sejam de conseguirmos amar e deixar que nos amem de volta. 

sábado, 6 de dezembro de 2014

Saudade

É por saudade que a gente chora
Esperneia, briga
Discute, faz birra
Pensa em dar fim à vida

É por saudade que a gente sente
Tédio aos domingos
E uma leve melancolia
Logo na manhã de segunda-feira

É por saudade que a gente bebe, fuma
Pensa demais. Fode demais.
Tudo em excesso é risco
Saudade em excesso idem

Saudade de quê, afinal?
Saudade dos colegas de faculdade
Dos amigos da escola
Daquele primo que morreu quando você era criança

Melhor! Saudade do emprego dos sonhos
Saudade do tempo em que não trabalhava
Do primeiro cigarro, na adolescência
E do primeiro porre!

É por saudade da última namorada
Não! Por saudade da namorada anterior a ela
Por saudade do primeiro beijo
Saudade da primeira paixão, que nunca foi consumada ou revelada

Saudade de dormir abraçado com a mãe
Saudade do quarto escuro e seguro
Do lar acolhedor e fraterno
Saudade do útero, já dizia o velho Freud




Um lanche, por favor.

Na última tarde, enquanto passava em frente a umas dessas bicicletas que vendem lanches no estacionamento da universidade, vi uma moça jogar um guardanapo no chão. Foi automático! Ela se viu não mais precisando do pedaço de papel e atirou-o ao chão, sem pudor ou culpa, talvez também sem perceber que havia um grande lixeiro ao seu lado. Ou o que seria pior, percebendo-o e ignorando-o. Automaticamente, também agi. Apanhei o guardanapo e continuei minha caminhada, jogando-o no lixeiro um pouco mais a frente. Imaginei que se eu voltasse para jogar no que estava ao lado da moça, poderia parecer arrogância minha.
Depois de colocar o pequeno papel em seu devido lugar, parei na bicicleta ao lado, onde havia salgados de forno sabor frango com molho branco. Na bicicleta concorrente só havia sanduíches e a cliente mal educada, junto de suas amigas. Pedi um salgado e um copo de refrigerante. No que comecei a comer e conversar com o senhor dono do estabelecimento móvel, ouvi risadas e a seguinte frase: “ah! Então foi uma indireta pra mim? Valeu, viu?” Depois se instalou um som de cochichado. Pouco depois, o assunto não pareceu mais estar em pauta entre as moças vestidas de branco. Talvez fossem estudantes de enfermagem, nutrição ou sei lá. Alguma área da saúde, certamente.
As olhei, sem que elas me percebessem e elas sorriam, conversavam sem preocupação alguma, talvez sobre o Shopping Rio Mar ou sobre a balada do último final de semana. O guardanapo realmente, não estava mais em voga e minha forma sutil de chama-la de mal educada já havia sido superada, deixado de lado. A sensação de ter sido ofendida também!
O senhor da bicicleta, percebendo isso tudo, ao final do ocorrido, que durou não mais que três minutos, me disse: imagina garoto, se todo mundo cuidasse do planeta como cuida essa moça. Pois é!, falei meio sem graça, respondendo ao simpático empreendedor que usava óculos de grau e carregava no rosto um sorriso tímido de muita leveza.